Um dos
maiores problemas de comunicação, tanto a de massas como a interpessoal, é o de
como o receptor, ou seja, o outro, ouve o que o emissor, ou seja, a pessoa,
falou.
Numa mesma
cena de telenovela, notícia de telejornal ou num simples papo ou discussão,
observo que a mesma frase permite diferentes níveis de entendimento.
Na
conversação dá-se o mesmo. Raras, raríssimas, são as pessoas que procuram ouvir
exatamente o que a outra está dizendo.
Diante desse
quadro venho desenvolvendo uma série de observações e, como ando bastante
entusiasmado com a formulação delas, divido-as com o competente eleitorado que,
por certo, me ajudará, passando-me as pesquisas que tenha a respeito.
Observe que:
1. Em geral
o receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que o outro não está
dizendo.
2. O
receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que quer ouvir.
3. O
receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que já escutara antes e coloca
o que o outro está falando naquilo que se acostumou a ouvir.
4. O
receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que imagina que o outro ia
falar.
5. Numa
discussão, em geral, os discutidores não ouvem o que o outro está falando: eles
ouvem quase que só o que estão pensando para dizer em seguida.
6. O
receptor não ouve o que o outro fala: ouve o que gostaria ou de ouvir ou que o
outro dissesse.
7. A pessoa
não ouve o que a outra fala: ela apenas ouve o que está sentindo.
8. A pessoa
não ouve o que a outra fala: ela ouve o que já pensava a respeito daquilo que a
outra está falando.
9. A pessoa
não ouve o que a outra está falando: ela retira da fala da outra apenas as
partes que tenham a ver com ela e a emocionem, agradem ou molestem.
10. A pessoa
não ouve o que a outra está falando: ouve o que confirme ou rejeite o seu
próprio pensamento. Vale dizer, ela transforma o que a outra está falando em
objeto de concordância ou discordância.
11. A pessoa
não ouve o que a outra está falando: ouve o que possa se adaptar ao impulso do
amor, raiva ou ódio que já sentia pela outra.
12. A pessoa
não ouve o que a outra fala: ouve da fala dela apenas aqueles pontos que possam
fazer sentido para as ideias e pontos de vista que, no momento, a estejam
influenciando ou tocando mais diretamente.
Esses doze
pontos mostram como é raro e difícil conversar. Como é raro e difícil se
comunicar! O que há, em geral, ou são monólogos simultâneos trocados à guisa de
conversa, ou são monólogos paralelos, à guisa de diálogo. O próprio diálogo
pode haver sem que necessariamente haja comunicação. Pode até haver um
conhecimento a dois, sem que, necessariamente, haja comunicação. Esta só se dá
quando ambos os polos ouvem-se, não, é claro, no sentido material de ”escutar”,
mas no sentido de “procurar compreender”,
em sua extensão e profundidade, o que o outro está dizendo.
Ouvir,
portanto, é muito raro. É necessário limpar a mente de todos os ruídos e
interferências do próprio pensamento durante a fala alheia.
Ouvir
implica numa entrega ao outro, numa diluição nele. Daí a dificuldade de as
pessoas inteligentes efetivamente ouvirem. A sua inteligência em funcionamento
permanente, o seu hábito de pensar, avaliar, julgar e analisar tudo interfere
como um ruído na plena recepção daquilo que o outro está falando.
Não é só a inteligência
a atrapalhar a plena audiência. Outros elementos perturbam o ato de ouvir. Um
deles é o mecanismo de defesa. Há pessoas que se defendem de ouvir o que as
outras estão dizendo, por verdadeiro pavor inconsciente de se perderem de si
mesmas. Elas precisam “não ouvir” porque “não ouvindo” livram-se da retificação
dos próprios pontos de vista, da aceitação de realidades diferentes das
próprias, de verdades idem e assim por diante. Livram-se do novo, que é saúde,
mas as apavora. Não ouvir é, pois, um sólido mecanismo de defesa.
Ouvir é um
grande desafio. Desafio de abertura interior; de impulso na direção do próximo,
de comunhão com ele, de aceitação dele como é e como pensa. Ouvir é proeza.
Ouvir é raridade. Ouvir é ato de sabedoria.
Depois que a
pessoa aprende a ouvir, ela passa a fazer descobertas incríveis escondidas ou
patentes em tudo aquilo que os outros estão dizendo a propósito de falar.
Artur da
Távola
"Quem responde antes de ouvir, comete insensatez e passa vergonha" - Provérbios 18:13
"Quem responde antes de ouvir, comete insensatez e passa vergonha" - Provérbios 18:13